terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Palavrões também São Importantes

Os palavrões não nasceram por acaso.
São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
É o povo fazendo sua língua.
Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
Sem que isso signifique a "vulgarização" do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

"Pra caralho", por exemplo.
Qual expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que "Pra caralho"?
"Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o Universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo".
O "Não, não e não!", assim como o "Absolutamente Não" já soam sem nenhuma credibilidade.
O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto.
Te libera, com a consciência tranquila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral?
Não perca tempo nem paciência.
Solte logo um definitivo:
- Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO".
O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Caetano Veloso.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que  possamos viver sem ele no nosso profissional cotidiano.
Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!".
O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior.
É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo.
Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cú!"?
E sua maravilhosa e enforcadora derivação "vai tomar no meio do seu cú!".
Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável! , se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no meio do seu cú!".
Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua autoestima.
Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu".
E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez".
Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa.
Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar:  O que você fala? "Fodeu de vez!".

Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se" que ela fala.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se"?
O "foda-se" aumenta minha autoestima, me torna uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Me liberta.
"Não quer sair comigo? Então foda-se".
"Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se".
O direito ao "foda-se" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Foda-se !!!

( Luís Fernando Veríssimo)